Esta série de textos de João Monteiro é preciosa. Aconselho vivamente a sua leitura a quem queira compreender os problemas que rodeiam o moderno Estado de Israel.
Imagem daqui.
Por João Monteiro
A Resolução
veio a ser confirmada pelo Conselho da Sociedade das Nações e integrada no
documento do Mandato para a Palestina em 24 de Julho de 1922, o qual foi votado
por unanimidade pelos seus 51 membros. Do Preâmbulo do documento
do Mandato, constava a seguinte declaração: Whereas
recognition has been given to the historical connection of the Jewish people
with Palestine and to the grounds for reconstituting their national home in that
country.5
Esta declaração assume particular relevância pois, através dela, a Comunidade
Internacional reconhece ao Povo Judeu um
direito pré-existente pela sua ligação histórica ao território para nele se
voltar a estabelecer como nação soberana. Não se tratou, portanto, da criação de
um direito novo. Por outras palavras, a Comunidade Internacional devolvia ao
Povo Judeu o título de propriedade do território que ele havia perdido.
A Organização Sionista foi também reconhecida como organismo público e incluída no artigo 4 do documento do Mandato como agência coadjuvante da Administração do território no sentido da criação das instituições necessárias ao funcionamento do Estado e os artigos 5 e 6, atribuíam obrigações à Potência Administrante, quanto ao território e à imigração e instalação dos Judeus no mesmo.
Art. 4. An appropriate Jewish agency shall be recognised as a public body for the purpose of advising and co-operating with the Administration of Palestine in such economic, social and other matters as may affect the establishment of the Jewish national home and the interests of the Jewish population in Palestine, and, subject always to the control of the Administration to assist and take part in the development of the country. The Zionist organization, so long as its organization and constitution are in the opinion of the Mandatory appropriate, shall be recognised as such agency. It shall take steps in consultation with His Britannic Majesty's Government to secure the co-operation of all Jews who are willing to assist in the establishment of the Jewish national home.
Art. 5. The Mandatory shall be responsible for seeing that no Palestine territory shall be ceded or leased to, or in any way placed under the control of the Government of any foreign Power.
Art. 6. The Administration of Palestine, while ensuring that the rights and position of other sections of the population are not prejudiced, shall facilitate Jewish immigration under suitable conditions and shall encourage, in co-operation with the Jewish agency referred to in Article 4, close settlement by Jews on the land, including State lands and waste lands not required for public purposes.6
Importa não esquecer que, ao mesmo tempo que conferiu direitos políticos de soberania sobre a Palestina exclusivamente ao Povo Judeu, a Resolução de San Remo reconheceu e salvaguardou os direitos civis individuais dos Árabes da Palestina, tendo reconhecido e conferido os mesmos direitos políticos de soberania aos Árabes, não na Palestina, mas na Síria e Líbano (no Mandato Francês) e na Mesopotâmia (mais tarde Iraque) no outro Mandato conferido à Grã- Bretanha.
Entretanto, entre 1915 e 1916, com a aproximação do desmoronamento do Império Otomano que se aliou às Potências Centrais (Alemanha, Áustria-Hungria e Bulgária) na Primeira Guerra Mundial, o Sherif Hussein bin Ali, Emir de Meca e último governante Hachemita a dominar sobre a província do Hejaz na parte ocidental da Península Arábica como guardião dos locais sagrados do Islão, procurou obter apoio junto das autoridades britânicas para a independência, sob o seu governo, de territórios árabes desde Alepo, na Síria, até Aden, no Iémen, então sob o domínio otomano. É neste contexto que lança a Revolta Árabe contra os Otomanos com o apoio do lendário Lawrence da Arábia.
Embora as conversações havidas não vinculassem nenhuma das partes nem o território em causa fosse definido com precisão – a Grã-Bretanha mostrou-se favorável à independência árabe com a ressalva de que parte do território da Síria a oeste de Damasco não poderia ser considerada por não ser inteiramente árabe e, por outro lado, que estavam também em causa os interessas da sua aliada França – os Árabes têm vindo, desde então, a alegar que a Palestina se encontrava incluída no território reclamado pelo Sherif Hussein, embora a Grã-Bretanha tenha defendido que nunca foi sua intenção tal inclusão.
A verdade é que à margem da Conferência de Paz de Paris de 1919, Chaim Weizmann, pela Organização Sionista e o Emir Faisal (filho do Sherif Hussein) pelos Nacionalistas Árabes, assinaram um acordo de mútuo apoio na concretização das aspirações nacionais de ambos os povos, reconhecendo que essa concretização dependia da estreita colaboração entre ambos. No acordo era referida a Declaração Balfour e a necessidade da implementação da emigração em larga escala de Judeus para a Palestina. Embora Faisal tenha feito depender a sua aceitação da Declaração Balfour da concretização das promessas feitas pelos Britânicos aos Árabes e o acordo tenha tido pouca duração, o facto do líder da Organização Sionista e o líder do nacionalismo árabe terem assinado um acordo, é demonstrativo de que as aspirações territoriais de ambos os povos não eram mutuamente exclusivas.
No entanto, logo a partir de 1920 os Árabes da Palestina começaram a lançar ataques contra os Judeus um pouco por todo o território, com particular violência em 1920-21 em Jerusalém, em 1929 em Hebron e no período de 1936-39 a partir de Jaffa. A Administração Britânica pouco ou nada fez para impedir esses ataques e após cada motim, o Governo Britânico nomeou comissões de inquérito para apuramento das causas dos ataques, as quais, invariavelmente, concluíam que os Árabes receavam perder as suas terras, recomendando que fossem adoptadas restrições à entrada de imigrantes Judeus. Desta forma, os Árabes perceberam que podiam impedir a imigração judaica lançando ataques, pois os Britânicos cediam ao adoptar medidas nesse sentido para os apaziguar. Este padrão de comportamento iria manter-se por todo o período do Mandato, acabando por levar à sua desintegração sem ter cumprido o objetivo para o qual foi instituído.
Desde o início, portanto, que a Grã-Bretanha – como potência mandatada pela Comunidade Internacional para governar a Palestina até ao tempo adequado em que a independência do Povo Judeu se mostrasse oportuna nos termos do Artigo 22 da Carta da Sociedade das Nações aprovada pelo Tratado de Versalhes de 1919 – manifestou uma postura nada condizente com as suas altas responsabilidades. De facto, em Julho de 1922, os Britânicos decidiram unilateralmente retirar cerca de 80% ao território do Lar Nacional Judaico, ao dividirem-no pela linha do rio Jordão continuada para sul do Mar Morto até ao Golfo de Eilat, ou Aqaba (a “língua” do Mar Vermelho que separa a Península do Sinai da Península Arábica) e criarem a Transjordânia cujo governo entregaram ao Emir Abdullah, filho do Sheriff Hussein e irmão de Faisal que os Britânicos já tinham colocado como soberano do Iraque no ano anterior de onde haviam retirado Abdullah. Em memorando apresentado à Sociedade das Nações em Setembro de 1922, os Britânicos justificaram essa divisão do território com o seu entendimento de que as provisões do documento do Mandato para a criação do Lar Nacional Judaico não se aplicavam ao território da Transjordânia. A consequência imediata desta divisão foi a vedação da emigração judaica para aquele território e a sua limitação para a área a oeste do Jordão, a Palestina Ocidental, através da criação de um sistema de quotas com a justificação de não ser excedida a capacidade de absorção económica do território. Assim e de uma assentada, os Britânicos violaram de forma grosseira os artigos 5 e 6 do documento do Mandato em claro prejuízo do seu beneficiário, o Povo Judeu, excedendo as suas competências e autoridade, uma vez que a soberania sobre o território tinha sido investida no Povo Judeu pelas Principais Potências Aliadas.
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Notas
5 http://stateofisrael.com/mandate/
6 Idem
A Organização Sionista foi também reconhecida como organismo público e incluída no artigo 4 do documento do Mandato como agência coadjuvante da Administração do território no sentido da criação das instituições necessárias ao funcionamento do Estado e os artigos 5 e 6, atribuíam obrigações à Potência Administrante, quanto ao território e à imigração e instalação dos Judeus no mesmo.
Art. 4. An appropriate Jewish agency shall be recognised as a public body for the purpose of advising and co-operating with the Administration of Palestine in such economic, social and other matters as may affect the establishment of the Jewish national home and the interests of the Jewish population in Palestine, and, subject always to the control of the Administration to assist and take part in the development of the country. The Zionist organization, so long as its organization and constitution are in the opinion of the Mandatory appropriate, shall be recognised as such agency. It shall take steps in consultation with His Britannic Majesty's Government to secure the co-operation of all Jews who are willing to assist in the establishment of the Jewish national home.
Art. 5. The Mandatory shall be responsible for seeing that no Palestine territory shall be ceded or leased to, or in any way placed under the control of the Government of any foreign Power.
Art. 6. The Administration of Palestine, while ensuring that the rights and position of other sections of the population are not prejudiced, shall facilitate Jewish immigration under suitable conditions and shall encourage, in co-operation with the Jewish agency referred to in Article 4, close settlement by Jews on the land, including State lands and waste lands not required for public purposes.6
Importa não esquecer que, ao mesmo tempo que conferiu direitos políticos de soberania sobre a Palestina exclusivamente ao Povo Judeu, a Resolução de San Remo reconheceu e salvaguardou os direitos civis individuais dos Árabes da Palestina, tendo reconhecido e conferido os mesmos direitos políticos de soberania aos Árabes, não na Palestina, mas na Síria e Líbano (no Mandato Francês) e na Mesopotâmia (mais tarde Iraque) no outro Mandato conferido à Grã- Bretanha.
Entretanto, entre 1915 e 1916, com a aproximação do desmoronamento do Império Otomano que se aliou às Potências Centrais (Alemanha, Áustria-Hungria e Bulgária) na Primeira Guerra Mundial, o Sherif Hussein bin Ali, Emir de Meca e último governante Hachemita a dominar sobre a província do Hejaz na parte ocidental da Península Arábica como guardião dos locais sagrados do Islão, procurou obter apoio junto das autoridades britânicas para a independência, sob o seu governo, de territórios árabes desde Alepo, na Síria, até Aden, no Iémen, então sob o domínio otomano. É neste contexto que lança a Revolta Árabe contra os Otomanos com o apoio do lendário Lawrence da Arábia.
Embora as conversações havidas não vinculassem nenhuma das partes nem o território em causa fosse definido com precisão – a Grã-Bretanha mostrou-se favorável à independência árabe com a ressalva de que parte do território da Síria a oeste de Damasco não poderia ser considerada por não ser inteiramente árabe e, por outro lado, que estavam também em causa os interessas da sua aliada França – os Árabes têm vindo, desde então, a alegar que a Palestina se encontrava incluída no território reclamado pelo Sherif Hussein, embora a Grã-Bretanha tenha defendido que nunca foi sua intenção tal inclusão.
A verdade é que à margem da Conferência de Paz de Paris de 1919, Chaim Weizmann, pela Organização Sionista e o Emir Faisal (filho do Sherif Hussein) pelos Nacionalistas Árabes, assinaram um acordo de mútuo apoio na concretização das aspirações nacionais de ambos os povos, reconhecendo que essa concretização dependia da estreita colaboração entre ambos. No acordo era referida a Declaração Balfour e a necessidade da implementação da emigração em larga escala de Judeus para a Palestina. Embora Faisal tenha feito depender a sua aceitação da Declaração Balfour da concretização das promessas feitas pelos Britânicos aos Árabes e o acordo tenha tido pouca duração, o facto do líder da Organização Sionista e o líder do nacionalismo árabe terem assinado um acordo, é demonstrativo de que as aspirações territoriais de ambos os povos não eram mutuamente exclusivas.
No entanto, logo a partir de 1920 os Árabes da Palestina começaram a lançar ataques contra os Judeus um pouco por todo o território, com particular violência em 1920-21 em Jerusalém, em 1929 em Hebron e no período de 1936-39 a partir de Jaffa. A Administração Britânica pouco ou nada fez para impedir esses ataques e após cada motim, o Governo Britânico nomeou comissões de inquérito para apuramento das causas dos ataques, as quais, invariavelmente, concluíam que os Árabes receavam perder as suas terras, recomendando que fossem adoptadas restrições à entrada de imigrantes Judeus. Desta forma, os Árabes perceberam que podiam impedir a imigração judaica lançando ataques, pois os Britânicos cediam ao adoptar medidas nesse sentido para os apaziguar. Este padrão de comportamento iria manter-se por todo o período do Mandato, acabando por levar à sua desintegração sem ter cumprido o objetivo para o qual foi instituído.
Desde o início, portanto, que a Grã-Bretanha – como potência mandatada pela Comunidade Internacional para governar a Palestina até ao tempo adequado em que a independência do Povo Judeu se mostrasse oportuna nos termos do Artigo 22 da Carta da Sociedade das Nações aprovada pelo Tratado de Versalhes de 1919 – manifestou uma postura nada condizente com as suas altas responsabilidades. De facto, em Julho de 1922, os Britânicos decidiram unilateralmente retirar cerca de 80% ao território do Lar Nacional Judaico, ao dividirem-no pela linha do rio Jordão continuada para sul do Mar Morto até ao Golfo de Eilat, ou Aqaba (a “língua” do Mar Vermelho que separa a Península do Sinai da Península Arábica) e criarem a Transjordânia cujo governo entregaram ao Emir Abdullah, filho do Sheriff Hussein e irmão de Faisal que os Britânicos já tinham colocado como soberano do Iraque no ano anterior de onde haviam retirado Abdullah. Em memorando apresentado à Sociedade das Nações em Setembro de 1922, os Britânicos justificaram essa divisão do território com o seu entendimento de que as provisões do documento do Mandato para a criação do Lar Nacional Judaico não se aplicavam ao território da Transjordânia. A consequência imediata desta divisão foi a vedação da emigração judaica para aquele território e a sua limitação para a área a oeste do Jordão, a Palestina Ocidental, através da criação de um sistema de quotas com a justificação de não ser excedida a capacidade de absorção económica do território. Assim e de uma assentada, os Britânicos violaram de forma grosseira os artigos 5 e 6 do documento do Mandato em claro prejuízo do seu beneficiário, o Povo Judeu, excedendo as suas competências e autoridade, uma vez que a soberania sobre o território tinha sido investida no Povo Judeu pelas Principais Potências Aliadas.
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Notas
5 http://stateofisrael.com/mandate/
6 Idem
Publicado originalmente no blog Lisboa - Tel Aviv e reproduzido aqui com a respectiva autorização.
Caro I.B.,
ResponderEliminarAgradeço o seu interesse pelo meu artigo e a sua partilha. O meu objetivo é informar, esclarecer, suscitar interesse, enfim, de alguma forma contribuir para servir a causa de Israel, apesar do muito que ficou por dizer.
Entretanto, verifico que uma pequena parte do texto não ficou publicada, a conclusão da frase na linha 34: "...os direitos civis individuais dos Árabes da Palestina, tendo reconhecido e conferido os mesmos direitos políticos de soberania aos Árabes, não na Palestina, mas na Síria e Líbano (no Mandato Francês) e na Mesopotâmia (mais tarde Iraque) no outro Mandato conferido à Grã-Bretanha."
OLÁ JOÃO,
ResponderEliminarGRATO E VOU JÁ EMENDAR.
ABRAÇO,
IB