terça-feira, 13 de janeiro de 2015

"O ATENTADO AO CHARLIE HEBDO E O “MAS” AUTOCRÁTICO"



Augusto de Franco

O ATENTADO AO CHARLIE HEBDO E O “MAS” AUTOCRÁTICO


Temos agora uma boa maneira de identificar os autocratas multiculturalistas:
Eles começam seus artigos sobre o atentado cometido por jihadistas islâmicos ao Charlie Hebdo sempre assim:

“Em primeira lugar (ou antes de qualquer coisa) quero deixar claro que o ataque foi condenável, injustificável, uma atrocidade inaceitável, uma barbaridade imperdoável etc. etc.”
Feito isso, logo vem um “MAS”. Aí eles vão explicar que, apesar de todo o malfeito cometido (com o qual eles absolutamente não concordam), há uma explicação: a colonização cultural que o ocidente impõe aos países islâmicos (que não é capaz de respeitar os valores alheios e quer violar e homogeneizar as culturas no plano global), a exclusão social dos imigrantes islâmicos nos países ocidentais, a perseguição política aos que não rezam pela cartilha do capitalismo ou do neoliberalismo e que não obedecem ao grande satã imperialista (os USA) e seus aliados. O restante é, via de regra, mais do mesmo lixo autocrático.

Não, eles não podem – considerando a comoção da hora – simplesmente condenar o atentado e se solidarizar com as vítimas. Eles querem nos fazer “entender” o seu ponto de vista, segundo o qual o verdadeiro culpado por trás de tudo é o grande inimigo dos povos explorados e oprimidos do mundo. O ato violento seria apenas uma consequência da violência institucional que é praticada pelos países capitalistas centrais contra as populações do mundo inteiro.


Os mais insanos vão então tentar mostrar que foi a falta de respeito pela cultura e pelos valores de outras sociedades (a serviço da dominação cultural e da exploração econômica capitalista) que gerou tamanha reação, com a qual eles não concordam, mas… explicam. Os mais insanos ainda vão fazer contabilidade de mortes, listando quantas pessoas morrem diariamente nas periferias dos países capitalistas (nas mãos de uma polícia assassina) e ninguém diz nada.
 

Querendo nos enganar, eles dizem que o atentado foi cometido por elementos isolados, extremamente minoritários, para não condenar os Estados-nações teocráticos ou autocráticos que patrocinam esse tipo de ação. Como se não soubéssemos que a fatwa de 14 de fevereiro de 1989, que ordenou a execução de Salman Rushdie por ter cometido o supremo pecado de escrever um livro, foi proferida pelo Aiatolá Ruhollah Khomeini, líder do Irã (chefe do Estado e não apenas de uma seita qualquer). Como se não soubéssemos que a imensa maioria dos países ditos islâmicos são ditaduras, onde os governos perseguem e assassinam minorias (inclusive minorias islâmicas, como os Sufis).
 

O objetivo dos autocratas multiculturalistas é confundir liberdade de crença com legitimação de autocracias. Assim como não deveríamos criticar a religião islâmica também não deveríamos criticar as ditaduras que subordinam as Constituições de seus países à sharia (a lei islâmica). Cada país tem a sua religião, a sua cultura e… a sua própria compreensão da política. Isso significa que as autocracias podem ser absolvidas, pois a visão ocidental de democracia não pode ser imposta a esses povos: cada povo deve encontrar seu próprio caminho. Vale para as ditaduras cujos governos se proclamam islâmicos mas, no limite, vale também para legitimar qualquer ditadura. Vale para a China, para a Coreia do Norte e para Cuba. As cerca de 60 ditaduras que ainda remanescem no mundo não podem ser violadas pela imposição exógena de um modelo (capitalista) de democracia (que não condiz com suas culturas): elas seriam apenas regimes diferentes que devem ser respeitados.
A confusão é perversa (sim, o multiculturalismo é uma perversão). É um truque autocrático confundir respeito às pessoas (aos seres humanos) com o respeito (no sentido de aceitação acrítica) às suas ideologias (crenças, religião, valores). Como são contrários à democracia, eles não veem que devemos respeitar o direito do outro de ter e proferir suas opiniões, mas não respeitar necessariamente (no sentido de acatar sem críticas) o conteúdo dessas opiniões.
 

São 1,5 bilhões de islâmicos no mundo, dentre os quais 200 a 300 mil que se declaram jihadistas. É uma minoria mesmo, mas a questão não é esta. A questão política é a seguinte: quem são os Estados que financiam e dão cobertura ao jihadismo? Quem financia (e apoia, ainda que por baixo do pano) Boko Haram (Nigéria), Al Shabab (Somália e redondezas), Lashkar-e-Taiba (Paquistão e Afeganistão), Al Qaeda (Oriente Médio, África, Ásia e alhures), Talibã (Afeganistão e Paquistão), Hezbollah (Líbano e Síria), Hamas (Irmandade Muçulmana na Palestina) e o Estado Islâmico (Iraque, Síria etc.)? Quem financia a Gama’at Islamiya (Egito), a Jamaat-e-Islami (Índia, Paquistão, Bangladesh, Sri Lanka, Caxemira), a Jemaah Islamiyah (Indonésia, Malásia, Filipinas, Cingapura, Brunei) e várias outras menores.
Quem, em nome de autodeterminação dos povos (um conceito autocrático, da realpolitik), aceita como normal a existência de uma retaguarda de apoio e financiamento em muitos Estados do Oriente Médio e adjacências, destacando-se a Irmandade Muçulmana (no Egito), o Wahhabismo (na Arábia Saudita) e a teocracia dos Aiatolás (no Irã)? Esses clusters resilientes, altamente hierarquizados e autocratizados, estão em expansão no momento. Não há qualquer evidência de que vão desaparecer, pelo contrário: poderemos ter em poucas décadas o dobro dos combatentes atuais (ou talvez mais). 
A religião chamada islamismo – terreno imaginário sobre o qual florescem essas seitas guerreiras – não é, em sua ampla maioria, nem fundamentalista, nem jihadista. Mas a questão – é bom repetir – não é esta. 

Não interessa à política democrática julgar os ensinamentos de Maomé ou o que se ensina e pratica nas mesquitas. Interessa, isto sim, o que fazem (às claras ou ocultamente) os Estados e as organizações políticas.

2 comentários:

  1. Podem ser "só" 200 a 300 mil jihadistas. Mas paralelamente existem os que fecham os olhos e até concordam com esses actos. E aí o número sobe imenso. Mesmo que só 10% dos Muçulmanos sejam fanáticos, estamos a falar de um número acima de 200 milhões de pessoas.

    ResponderEliminar
  2. Gostei muito do teu blog. Ando lendo tantos absurdos sobre os atentados...
    Veja o que este alienado postou: http://noticias.bol.uol.com.br/ultimas-noticias/internacional/2015/01/14/em-video-chefe-da-al-qaeda-no-iemen-reivindica-ataque-contra-charlie-hebdo.htm

    Comentei no blog que te dei o endereço, com o objetivo de impedir que esta mentira toda se espalhe.

    Se puder, comente também e ajude a impedir que estes seres propaguem suas idéias malucas pelo mundo.

    ResponderEliminar

Comentários temporariamente desactivados. As nossas desculpas.

Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.