quinta-feira, 21 de abril de 2016

A Guerra contra a Páscoa

Na véspera das comemorações da Páscoa Judaica (a celebração que vemos retratada na famosa Última Ceia de Cristo):

 Moisés atravessando o Mar Vermelho à Frente do Povo Judeu.

A Guerra contra a Páscoa  

Quem são os judeus? Uma religião? Uma etnia? Um povo? A questão assumiu uma urgência especial no nosso tempo. No centro do ataque anti-Sionista está a noção de que os judeus não são um povo, mas apenas uma fé. Essa premissa é normativa em todo o mundo Árabe, e especialmente no movimento nacional palestino, cuja totalidade das facções - da Fatah ao Hamas - negam a existência de um povo judeu distinto, com direito de soberania nacional.

O ciclo do ano judaico conta uma história diferente. A Páscoa celebra o nascimento do Povo Judeu, o início de uma narrativa histórica coerente. Shavuot, dois meses depois, celebra a entrega da Torá no Monte Sinai, imprimindo o Povo Judeu com um caminho distinto para Deus. Os judeus, então, são um povo com uma fé específica. Nessa ordem.

O Seder (Ceia) da Páscoa reforça implicitamente essa hierarquia de identidades. O ritual essencial do Seder é a releitura do Êxodo - "Como se vocês mesmos deixassem o Egipto" – e a mensagem é: Não há Judaísmo sem o povo judeu e a sua História.

O meu antigo professor, o rabino David Hartman, observou que a definição de heresia judaica do Hagaddah nos oferece uma definição precisa da identidade judaica. A "criança má" do Hagaddah refere-se ao povo judeu como "tu" em vez de "nós". Ao contrário do Cristianismo e do Islão, por exemplo, onde a heresia é a rejeição da crença, para o Judaísmo, a heresia é a auto-exclusão da comunidade.
 

Como judeu religioso, acredito que o nosso relacionamento com Deus é o núcleo, a finalidade, da existência judaica. Acredito que a vida judaica contemporânea foi empobrecida pela diminuição do Divino, pelo abandono da busca do Deus vivo nas nossas vidas pessoais e colectivas.

E, no entanto, o próprio Judaísmo concede legitimidade ao primado da nacionalidade sobre a fé. A centralidade da nacionalidade na identidade judaica explica a estranha anomalia do judeu ateu. Cristãos ou muçulmanos que rejeitam a doutrina religiosa deixam de ser parte da sua comunidade de fé; não existe tal coisa como um ateu cristão ou um ateu muçulmano. No entanto, os judeus que rejeitam as crenças judaicas mais básicas, mas ainda se identificam com o povo judeu e os seus valores e o seu destino, são universalmente considerados entre os judeus como um de nós.

Paradoxalmente, é dada primazia à nacionalidade sobre a fé, para o bem da própria fé: o Povo Judeu é o portador do Judaísmo. E assim, a nacionalidade é uma categoria religiosa essencial.

A centralidade da nacionalidade para o Judaísmo, é explicada, em parte, pela diferença entre uma fé universalista e uma fé particularista. Todas as três religiões monoteístas compartilham o mesmo objectivo: a revelação da presença de Deus neste mundo. Mas o Judaísmo, mais uma vez, funciona de maneira um pouco diferente. Qualquer pessoa pode, naturalmente, converter-se, e tornar-se um judeu, mas o Judaísmo nunca foi destinado a ser uma fé universal, apenas a fé de um povo específico - cuja finalidade é ser uma vanguarda espiritual dentro da Humanidade para o seu resgate final. O Judaísmo é uma estratégia particularista para um objetivo universalista.
(A conversão é um meio religioso para o objectivo da união ao povo judeu. Rute, a moabita, protótipo do judeu convertido, disse a sua sogra, Naomi: "Teu povo será o meu povo, teu Deus será meu Deus." - nessa ordem).

No início, o Judaísmo Reformista tentou tornar o Judaísmo numa fé sem um povo e uma terra, mas, posteriormente voltou a uma compreensão mais clássica da identidade judaica. Mesmo os ultra-ortodoxos, que geralmente põem uma interpretação estrita da lei judaica acima do bem-estar do povo judeu, aceitam a nacionalidade como um princípio religioso nuclear.


 O Seder culmina com a afirmação: "No próximo ano em Jerusalém", um lembrete de que a História Judaica que começa no Egipto termina na Terra de Israel. Um povo específico ligado a uma terra específica, para o bem supremo de todos os povos e todas as terras.

Vista do Domo da Rocha, no Monte do Templo, na Cidade Velha de Jerusalém, em 29 de Setembro de 2015.

Esta semana, quando os judeus de todo o mundo se preparam para a Páscoa, a guerra contra a nacionalidade judaica - contra a própria Páscoa – teve um desenvolvimento particularmente feio. Uma resolução da UNESCO sobre Jerusalém negou qualquer ligação judaica com o Monte do Templo e o Muro das Lamentações – o Muro foi identificado entre aspas, ao contrário do seu termo muçulmano, Al Buraq.

A resolução – apoiada, entre outros, pela Suécia, França e Espanha, cujos líderes professam amizade para com os judeus - dá legitimidade tácita à campanha de terror palestina dos últimos meses. Ignora o facto de que Israel proíbe os judeus de orarem no Monte. Que os grupos palestinos destruíram sistematicamente artefactos antigos judeus no local.

Mas acima de tudo, a resolução da UNESCO apaga-nos da nossa própria História.
Segundo a UNESCO, não houve templos no Monte do Templo, o Monte não é o local mais sagrado do Judaísmo, o Muro não é o coração da oração judaica. De todas as tentativas de nos destruir ao longo da nossa História, a campanha contra a História em si é a mais desonesta.

A Páscoa sugere esta definição dos judeus: Nós somos uma história que contamos a nós mesmos sobre quem nós pensamos que somos. O presente ataque à História Judaica é tão perigoso precisamente porque atinge o cerne da Páscoa. Se perdermos a História, o sentido da justeza básica da nossa narrativa, vamos perder a essência do nosso ser.


http://blogs.timesofisrael.com/the-war-against-passover/
Yossi Klein Halevi - Times of Israel

19 de Abril de 2016

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