sexta-feira, 3 de outubro de 2014

Yom Kippur - Perdoar é Maravilhoso!



 'Judeus Orando na Sinagoga Durante o Yom Kippur' - Maurycy Gottlieb, 1878
Começa hoje, ao pôr-do-sol, o dia mais sagrado do calendário judaico. Em Israel, e em todas as comunidades judaicas do mundo, há, como em todas as sociedades, quem leve a religião de forma mais e menos rigorosa. Há graus de observância religiosa, que vão desde a ortodoxia ao ateísmo. Mas este é um dia que não passa despercebido entre os judeus, tal como entre nós não passam despercebidos o Natal ou a Páscoa - mesmo entre os não religiosos. Reafirmamos que este blog não tem filiação religiosa. Nenhum dos membros da equipa é praticante do Judaísmo. Contudo, no sentido de melhor dar a conhecer a cultura e a sociedade judaicas, achamos útil traduzir, condensar e adaptar artigos como este, da organização United With Israel:


 Perdoar é Maravilhoso!

O Yom Kippur é conhecido como o Dia da Expiação, o dia em que os observantes do Judaísmo são perdoados pelos seus pecados. Mas não é tão simples como um ritual mágico, que apagasse automaticamente os erros, como quem apaga uma lousa.

Para o Judaísmo, só Deus pode perdoar os pecados entre "homem e Deus". Nos pecados que ocorrem entre "homem e homem", entre uma pessoa e o seu vizinho, o perdão deve acontecer entre eles.


Porque é que as pessoas devem perdoar?

Diz a Torá: "Amarás o teu próximo como a ti mesmo." Este mandamento parece tão óbvio que até uma criança pode entender: "Se eu sou igual a qualquer pessoa, então eu não devo fazer nada que magoe ou prejudique os outros." No entanto, as pessoas nem sempre ouvem esta mitzvah (mandamento), e às vezes magoam e ofendem os outros. A  pessoa ofendida experimenta a dor, a falta de compreensão, e interroga-se:
Porque é que as pessoas fazem algo tão irracional como ferir outro ser humano?! Como pode alguém optar por erguer um muro contra quem nenhum mal lhe fez?

Nos textos judaicos, Deus criou o mundo com a qualidade de Din, e viu que ninguém poderia sobreviver. Por isso Deus criou a qualidade de Rachamim. "Din" significa julgamento severo - se uma pessoa faz o bem, recebe o bem; se uma pessoa faz mal, recebe mal. Se vivêssemos dessa forma, considerando a quantidade de erros que as pessoas fazem, não podiamos durar muito. "Rachamim" é a qualidade da misericórdia. Neste espírito, o perdão significa derrubar o muro que colocámos na frente do nosso coração.

Após ter-se sido ferido, a tendência natural é guardar rancor, manter o espinho que acreditamos que foi espetado no nosso coração por quem nos feriu, e apontar o dedo  a quem acreditamos ser culpado. Podemos culpar não apenas os indivíduos, mas também "o sistema" ou "a sociedade."

O Judaísmo ensina que guardar rancor contra alguém é um dispêndio inútil de energia, é como se estivessemos a segurar um objecto pesado contra uma parede, de tal forma que se alguém quisesse dar-nos um abraço, ou se quiséssemos fazer algo de belo ou útil, como pintar ou cozinhar, não seriamos capazes, por termos as mãos ocupadas. Assim, também, quando guardamos rancor contra alguém, estamos a queimar "calorias psicológicas" para manter esse rancor vivo. Essa energia poderia ser usado para outras coisas, para se ser mais amoroso, para actividades de criatividade ou bondade. O perdão é retirar o espinho da raiva dos nossos corações, permitindo que a ferida sare, e abrir as nossas mãos às tarefas úteis.

Outro conceito da tradição judaica é o de que quando Deus criou o mundo, Ele criou a Teshuvá. Teshuvá tem muitos significados: Num nível mais básico, significa "retorno"; num nível mais prático, significa lamentar os nossos erros e voltar para Deus. As pessoas cometem erros. Às vezes, até fazemos coisas que sabemos que não são boas para nós. Se guardarmos rancor contra nós mesmos ou contra os outros, estaremos a gastar muito tempo em vão.

Yom Kippur é o dia da "expiação". Quando perdoamos, também estamos a fazer teshuvá. Quando perdoamos, estamos a voltar para Deus, voltamos a amar e libertamo-nos dos rancores.


 'Cristo Pregando em Cafarnaum' - Maurycy Gottlieb,1879 

"Quando jejuardes, não fiqueis com o rosto triste como os hipócritas. Eles desfiguram o rosto, para que os homens vejam que estão jejuando. Em verdade vos digo: Eles já receberam a sua recompensa. Tu, porém, quando jejuares, perfuma a cabeça e lava o rosto, para que os homens não vejam que tu estás jejuando, mas somente teu Pai, que está oculto. E o teu Pai, que vê o que está escondido, te dará a recompensa."
Mateus, 6

Como qualquer judeu do seu tempo, Jesus/Yeshua, deve ter celebrado a data mais sagrada do calendário judaico, que já então contava mais de milénio e meio. Quem, como nós, cresceu num país predominantemente cristão, está decerto familiarizado com esta passagem do Evangelho de Mateus. Independentemente da religião ou não-religião de cada um, esta proposta de exame de consciência, perdão e auto-perdão, merece análise séria.

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