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Opinião: Irão teme Fernanda Lima mais de Netanyahu
Os iranianos adoram o futebol, que é a maior fonte de entretenimento e emoção no país. Mas agora, o direito de terem um programa nuclear e a luta contra os inimigos do país, estão na mente de cada iraniano, e essas preocupações vêm em primeiro lugar, mesmo quando as pessoas vêem futebol na TV.
De acordo com os clérigos conservadores que governam o Irão, os inimigos do país não querem derrubar a República Islâmica com a guerra e o confronto aberto. O líder supremo, o aiatolá Ali Khamenei, não teme os exércitos modernos dos EUA ou de Israel. Esses clérigos temem a liberdade de expressão e a hegemonia cultural.
Restrições sobre o comportamento em público e punições severas por violar estas restrições (mesmo na ausência de uma lei clara), em particular para as pessoas que vistam roupas de estilo ocidental, sempre fizeram parte da identidade da República Islâmica. Mas muitos iranianos têm antenas parabólicas em casa, o que lhes permite assistir ao que quiserem, independentemente do que o regime proíbe. Os canais de televisão estatais são chatos e conservadores: há sempre um clérigo de turbante preto, ou talvez branco, a falar sobre a arte, a sociedade, a religião ou a política. E quem quer assistir a isso?
A falta de programas de entretenimento na TV do Irão é o que tem tornado o satélite tão popular. Mas há momentos em que os canais locais são aceitáveis: notícias locais e futebol iraniano. É aí que nós nos encontramos. Há uma semana, uma das raras circunstâncias em que milhões de iranianos estavam a assistir um canal iraniano: para ver o sorteio do campeonato do Mundo.
Nos minutos críticos do sorteio aconteceu algo que perturbou muito os espectadores: o programa foi interrompido! Os iranianos, que estavam ansiosos para saber que com que equipas iria jogar o Irão no Campeonato do Mundo, ficaram irritadíssimos. Mas o programa permaneceu fora do ar. Porque Fernanda Lima, a modelo brasileira que apresentou o sorteio, usava um vestido muito atraente.
Adel Ferdosipour, o anfitrião do canal local do Irão em programas de desporto, disse: "Para ser honesto convosco, o vestido da senhora que está a apresentar o programa não obedece em nada aos nossos padrões de transmissão."
Esse corte no programa provocou que milhares de iranianos irritados e com acesso à Internet acorressem à página Facebook da Sra. Lima e postassem mensagens incrivelmente insultuosas, culpando-a por (como eles dizem) tê-los feito "perder o sorteio do Campeonato do Mundo."
Poucas horas depois, os iranianos, postando esses comentários, quase tinham feito "cair" a página do Facebook. Alguns foram escritos em persa , dizendo coisas como: "Morrerias se usasses um vestido decente, para que nós pudéssemos assistir também?".
Demorou aos interessados iranianos dois ou três dias para encontrarem os clipes do sorteio no YouTube e noutros sites de redes sociais, para que pudessem ver o que ela realmente trazia vestido. E começaram a falar sobre a sua aparência, sobre o anel que ela usava, a cor de seu cabelo, a sua figura, e assim por diante. Então, as pessoas começaram a enviar os seus pedidos de desculpas em nome de quem a tinha insultado.
Hoje, a Sra. Lima é talvez uma das pessoas mais conhecidas no Irão. A censura do regime acabou tendo o efeito oposto ao que era suposto ter. Talvez se o sorteio ao vivo tivesse ficado no ar, os fãs de futebol não lhe tivessem prestado muita atenção, pelo menos como a atenção que ela está a receber agora. Este incidente mostra que o que o regime acredita ser uma ameaça para a República Islâmica do Irão é uma preocupação real, independentemente de quanto eles impõem censura ou como fecham as fronteiras.
Uma das principais razões por trás da decisão do aiatolá Khamenei para não abrir as portas do Irão ao Ocidente, e especialmente aos Estados Unidos, é o medo de uma invasão cultural. No entanto, num paralelo estranho com o que causou a Primavera Árabe, o ser tão fechado e impor tantas restrições religiosas pode causar uma revolução cultural no Irão. Esta revolução não tem que vir necessariamente com uma mudança no regime. Em vez disso, eles estão lentamente e efectivamente a fazer as mudanças sem recorrer à guerra ou à ocupação. Para aqueles que temem este tipo de mudança cultural, a Sra. Lima é mais assustador do que o primeiro-ministro israelita.
Camelia Entekhabi-Fard é uma jornalista, comentarista de notícias e escritora, que cresceu durante a revolução iraniana e escreveu para os principais jornais reformistas. Ela também é o autora de Camelia: Save Yourself by Telling the Truth - A Memoir of Iran. Vive em Nova Iorque e no Dubai. E pode ser encontrada no Twitter: @ CameliaFard
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