POSTAGENS ESPECIAIS DE CORRIDA

quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

Bento XVI, o "deicídio" e o antissemitismo



Bento XVI discursa no Memorial do Holocausto, em Israel 
"O Papa Bento XVI tem melhorado as relações entre o Cristianismo e o Judaísmo e entre o Vaticano e Israel" - dizia em comunicado o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, em 18 de Fevereiro de 2013.

"Em nome do povo de Israel, muito obrigado pela sua acção como Papa, por fortalecer as relações entre cristãos e judeus, e entre a Santa Sé e do Estado judeu
", acrescentava Netanyahu, no comunicado, em resposta ao anúncio da renúncia de Bento XVI, na semana anterior.


"Agradeço-lhe também pela corajosa defesa dos valores do Judaísmo e do Cristianismo, e das raízes da nossa cultura comum", acrescentava o primeiro-ministro.


Para a comunidade judaica, uma das conquistas mais importantes de Bento XVI foi isentar o povo judeu da responsabilidade pela morte de Jesus - Yeshua ben Yosef.
Para quem não padece da estranha doença mental do anti-semitismo, é óbvio que culpar todo um povo, dois mil anos depois, por causa de um episódio tão controverso e cercado ainda de tanto mistério, é um absurdo! Desde logo porque:
 - Yeshua, os seus Apóstolos, e a grande massa dos seus seguidores, eram, eles mesmos, judeus. Donde, não faz sentido lançar anátema sobre todo um povo, quando, a crer na História Sagrada, as vítimas eram judias, como também alguns dos carrascos*.
* - Lembremo-nos que a autoridade máxima eram os Romanos, que escapam ilesos nesta história toda. Muito convenientemente, porque o Cristianismo - uma das várias seitas do Judaísmo - acabou por ser adoptado como religião oficial do Império Romano.)
- Na Terra Santa, na época, como em todo o Império Romano, eram crucificadas pessoas aos milhares, pelas razões mais triviais, fruto da barbárie dos tempos. Yeshua terá sido mais um, por motivos tão fúteis como tantos outros.
- Não se sabe exactamente como morreu, nem sequer como viveu, Yeshua. As fontes históricas coevas são mais que escassas, e as Escrituras Sagradas não escaparam a erros de tradução, alterações, interpolações, muitas vezes ao sabor dos ventos políticos e teológicos.
- A vingança e o ódio são contrários à essência do Cristianismo, como o são à do Judaísmo. Os cristãos (como os saduceus, os fariseus, os essénios e outros) foram, por mais de dois séculos, uma facção dentro do Judaísmo. A investigação sobre os nazarenos e os ebionitas, por exemplo, indica que estes grupos seguiam os ensinamentos de Yeshua.
- Ainda que fosse racional aceitar uma culpa hereditária, as chacinas de judeus ao longo dos séculos, pelo alegado deicídio, não seriam já suficientes para saldar a suposta dívida?...
"E, por já nas ruas não acharem Cristãos-novos, foram assaltar as casas onde viviam e arrastavam-nos para as ruas, com os filhos, mulheres e filhas, e lançavam-nos de mistura, vivos e mortos, nas fogueiras, sem piedade. E era tamanha a crueldade que até executavam os meninos e (as próprias) crianças de berço, fendendo-os em pedaços ou esborrachando-os de arremesso contra as paredes."
in  A MATANÇA DE JUDEUS EM LISBOA (19 de Abril de 1506) segundo Damião de Góis
 (Mais dados sobre este episódio histórico no site da Comunidade Israelita de Lisboa).

- E repetimos: se não culpamos os filhos pelos erros dos pais, muito menos sentido faz culpar um povo inteiro, dois milénios volvidos, por um determinado acto que terá sido de uns poucos. Esquecendo muitos mais que terão procedido bem, e... esquecendo a própria vítima, um judeu.

 A este propósito, lembramos o post recente:

"Jesus, o Judeu Incompreendido"


"Cristo Perante os Seus Juízes", circa 1877-1879, obra de Maurycy Gottlieb**  (1856 - 1879), Museu de Israel, Jerusalém. Site do museu aqui.
Num livro publicado em 2011, o Papa escreveu que "a aristocracia do templo" em Jerusalém e as "massas" - e não "o povo judeu como um todo" - foram responsáveis pela crucificação de Jesus.

Netanyahu elogiou a "coragem" do Papa, e diversos líderes religiosos judeus sentiram que esse foi um passo essencial na luta contra o anti-semitismo no seio da Igreja.


Visita de Bento XVI a Israel,  Muro das Lamentações

Sobre a questão do anti-semitismo motivado por esta velha história do "deicídio", contamos voltar a falar, se bem que o essencial esteja dito.
O discurso de Bento XVI no Museu do Holocausto, em Israel, não foi do agrado de alguns sobreviventes, que esperavam uma condenação mais forte do Nazismo e dos Alemães, que o Papa não citou directamente no seu discurso. Outros, contudo, acharam que o discurso foi importante, nomeadamente pela condenação da negação do Holocausto. Joseph Ratzinger  pertenceu à  Juventude Hitleriana e à Wehrmacht, antes de ter desertado, em 1944. 
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À esquerda: auto-caricatura e autoretrato de Gottlieb.
** Maurycy Gottlieb - Mauricy significa Moisés, ou Moshe.  Um dos onze filhos de Isaac e Fanya Tigerman Gottlieb, Maurycy matriculou-se Academia de Arte de Viena, aos quinze anos. Estudo sob a direcção do pintor polaco Jan Matejko em Cracóvia. Passado um semestre, saiu do estúdio de Matejko depois de experimentar repetidamente o anti-semitismo dos outros estudantes. Retornou a Viena e começou uma busca de suas raízes judaicas; algo vago para ele, pois os seus pais tentaram educá-lo na escola secular então actual do "Iluminismo europeu." Aos vinte anos ganhou a medalha de ouro do Concurso de Arte de Munique. É considerado o maior artista polaco da sua geração.

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